Elon Musk está em conflito com o poderoso Supremo Tribunal do Brasil

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O tribunal se tornou o regulador de fato das mídias sociais no país

Na semana passada, o empreendedor em série Elon Musk fez um discurso muito público contra Alexandre de Moraes, um dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal. A disputa é sobre a X, uma empresa de mídia social de propriedade de Musk. Em 6 de abril, X anunciou que um tribunal brasileiro havia ordenado que bloqueasse um conjunto não divulgado de contas “populares” ou enfrentaria multas pesadas. Em resposta, Musk disse que iria suspender as restrições às contas brasileiras anteriormente suspensas e ameaçou encerrar completamente o X no Brasil (o que, até agora, não aconteceu). Moraes abriu então um inquérito contra Musk por obstrução à justiça. Isso levou Musk a criticar que a censura no Brasil é pior do que em “qualquer país do mundo onde esta plataforma opera” e a chamar Moraes de “ditador” que deveria sofrer impeachment e ser levado “a julgamento pelos seus crimes”.

Até agora tudo é hiperbólico, mas a disputa é reveladora em duas questões. Um deles é o poder do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que goza de autoridade descomunal sobre a vida dos brasileiros. O outro é o debate em torno da regulamentação das redes sociais sem ferir a liberdade de expressão, no qual o Brasil é um importante campo de batalha. Os brasileiros adoram mídias sociais. De acordo com a gwi, uma empresa de pesquisa de mercado com sede em Londres, eles passam três horas e 49 minutos por dia deslizando e rolando, mais do que pessoas em qualquer outro país. Eles também enviam a maior parte das mensagens no WhatsApp e dependem fortemente das redes sociais para obter notícias. Isso tornou o Brasil um terreno fértil para a disseminação de desinformação e, por sua vez, para esforços para regulamentá-la.

O tribunal mais poderoso do mundo?

Até agora, essa regulamentação foi deixada para o Supremo Tribunal Federal do Brasil. A sua força está enraizada no rescaldo da ditadura militar que terminou em 1985, quando foi convocada uma assembleia para reescrever a constituição do país. Produziu uma das cartas mais longas do mundo, cobrindo tudo, desde licença de maternidade até salários públicos. Também permitiu que os partidos políticos, a Ordem dos Advogados nacional e os sindicatos apresentassem processos diretamente ao tribunal, em vez de os fazerem filtrar-se pelos órgãos inferiores.

Uma constituição prolixa, combinada com a capacitação de uma vasta gama de intervenientes para apresentarem petições, significa que “quase tudo pode chegar ao tribunal”, afirma Luís Roberto Barroso, o presidente do tribunal. A Suprema Corte dos EUA recebe cerca de 7 mil petições por ano, analisando as 100 a 150 que considera de relevância nacional. O Brasil recebeu mais de 78 mil novos casos em 2023 e proferiu mais de 15 mil julgamentos.

Para lidar com essa carga de trabalho, o tribunal brasileiro permite que juízes individuais decidam sobre os casos antes que o plenário se reúna. Isso pode levar meses ou até anos. Em um ano médio, apenas cerca de 10% das decisões do tribunal são tomadas pelo tribunal pleno, diz Diego Werneck, do Insper, uma universidade em São Paulo. O resto é unilateral. Isto levou a acusações de que juízes não eleitos têm demasiado poder. “Decidimos casos que noutras partes do mundo são deixados à política e à legislação ordinária”, afirma Durão Barroso. Desde 2019 o alvo mais visível das críticas tem sido o senhor Moraes.

Naquele ano, Jair Bolsonaro, um populista de extrema direita, tornou-se presidente. Ele não era fã do tribunal e, depois que assumiu o cargo, as ameaças aos juízes do tribunal e às suas famílias aumentaram dramaticamente, diz Felipe Recondo, do Jota, um site de notícias focado no judiciário brasileiro. Em resposta, o tribunal lançou uma investigação sobre “notícias falsas” sob a liderança do Sr. Moraes, e atribuiu-se o poder de investigar ameaças e declarações difamatórias feitas contra ele online. Geralmente esse poder cabe aos promotores. O tribunal tornou-se assim vítima, promotor e árbitro ao mesmo tempo.

Moraes usou esta trindade para ordenar repetidamente às redes sociais que retirassem contas de políticos e influenciadores que, segundo ele, representavam uma ameaça às instituições brasileiras. Em fevereiro de 2021, ele ordenou a prisão de um parlamentar de extrema direita, Daniel Silveira, que havia carregado no YouTube um discurso carregado de palavrões contra os membros do tribunal. É quase impossível recorrer destas decisões. Daniel Silveira foi perdoado por Bolsonaro um dia depois de ter sido condenado a nove anos de prisão. (O perdão foi posteriormente anulado pelo Supremo Tribunal e Daniel Silveira continua detido.)

À medida que se aproximava a eleição presidencial de 2022, que Bolsonaro perdeu, ele espalhou mentiras sobre máquinas de votação fraudulentas contra ele. Moraes, que também é presidente do tribunal eleitoral, ampliou sua cruzada. Em agosto de 2022, ele autorizou a polícia invadindo as casas de oito empresários, congelou suas contas bancárias e ordenou que as redes sociais suspendessem algumas de suas contas, depois que mensagens de WhatsApp de dois dos homens nas quais eles pareciam expressar apoio a um golpe foram tornou-se público.

Os críticos consideram as táticas de Moraes pesadas e opacas. Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo, observa que não está claro quantas contas foram suspensas, por que e por quanto tempo. Davi Tangerino, advogado criminalista, afirma que um “inquérito interminável e sem âmbito definido” não é compatível com o Estado de Direito.

No entanto, muitos brasileiros acreditam que essas táticas pouco ortodoxas eram justificadas na época. Entusiasmados com as alegações infundadas de fraude de Bolsonaro, os seus apoiadores acamparam em frente aos quartéis militares na capital durante dois meses antes das eleições, instando o exército a dar um golpe. Em 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse do oponente de Bolsonaro, fanáticos bolsonaristas invadiram o Congresso, o palácio presidencial e o Supremo Tribunal Federal. Em vez de admitir a derrota, Bolsonaro continuou a questionar o resultado da Flórida, onde se exilou brevemente por conta própria.

Outras instituições não conseguiram restringir o comportamento de Bolsonaro. Como presidente, nomeou um procurador-geral dócil, que arquivou mais de 100 pedidos para investigá-lo. Alguns membros do exército apoiaram a realização de um golpe. A polícia não desalojou os golpistas acampados fora do quartel. Em fevereiro deste ano, os investigadores revelaram que Bolsonaro possuía um documento que delineava o seu plano para um golpe. Teria envolvido a prisão de Moraes e a convocação de novas eleições. A polícia também afirma ter encontrado evidências de que os assessores de Bolsonaro estavam monitorando o paradeiro de Moraes. Bolsonaro nega irregularidades. Dado este cenário frágil, o Supremo Tribunal foi “o último bastião da democracia”, diz Tangerino, embora considere que as suas ações foram longe demais desde então.

Você tinha um trabalho

Enquanto isso, o Congresso do Brasil estava deliberando sobre uma legislação que regulamentaria o discurso online. Um projeto de lei fortemente influenciado pela Lei de Serviços Digitais da União Europeia, que entrou em vigor no ano passado, foi aprovado pelo Senado brasileiro em 2020, mas ficou paralisado na Câmara dos Deputados. O projeto de lei exigiria que as plataformas de mídia social e os mecanismos de busca produzissem relatórios semestrais detalhando seus esforços de moderação de conteúdo. As empresas teriam sido forçadas a informar os usuários quando suas postagens fossem removidas e a fornecer-lhes instruções para apelar da decisão. No entanto, os legisladores ficaram atolados em disputas sobre quais instituições deveriam administrar a nova lei. As empresas de tecnologia ficaram furiosas com a exigência de pagar influenciadores e jornalistas por seu conteúdo. A lei fracassou, deixando o trabalho de regulamentação para a Suprema Corte, diz Peter Messitte, juiz que dirige um programa sobre direito brasileiro na American University em Washington

Em 9 de abril, estimulado pela briga de Musk com Moraes, o presidente da Câmara dos Deputados disse que criaria um grupo de trabalho para redigir um novo projeto de lei sobre mídias sociais dentro de 45 dias. A disputa entre o juiz e o chefe da tecnologia continua. Seria ruim se Musk realmente retirasse X do Brasil. Mas se a briga levar as outras instituições a reivindicar algumas responsabilidades do Supremo Tribunal, Musk terá prestado um verdadeiro serviço ao Brasil.


Publicado em 16/04/2024 07h48

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