Como a compreensão da natureza tornou a bomba atômica inevitável

75 anos atras, em 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lancaram uma bomba atomica em Hiroshima, Japao (imagem). Tres dias depois, outro caiu em Nagasaki.

509? GRUPO DE OPERACOES / WIKIMEDIA COMMONS


As bombas atomicas aceleraram o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas eles lancaram outro tipo de guerra, uma guerra fria, que ameacou todo o planeta com a aniquilacao nuclear. Portanto, e compreensivel que no 75? aniversario da explosao da bomba atomica que devastou Hiroshima (6 de agosto de 1945), as reflexoes tendem a enfatizar os dramas geopoliticos durante as decadas que se seguiram.

Mas tambem vale a pena refletir sobre a historia cientifica de como as bombas surgiram.

Nao e facil identificar o inicio dessa historia. A fissao nuclear – a fonte da energia da bomba – foi descoberta em 1938, menos de sete anos antes de Hiroshima. Mas a ciencia por tras da energia nuclear se originou decadas antes. Voce poderia dizer 1905, quando Einstein revelou ao mundo que E = mc2. Ou talvez seja melhor comecar com a descoberta da radioatividade de Henri Becquerel em 1896. A radioatividade revelou um novo tipo de energia, de vasta quantidade, oculta dentro dos componentes mais minusculos da materia – as partes que formavam os atomos.

Em qualquer caso, uma vez que a ciencia comecou a compreender o mundo subatomico, nenhuma forca poderia impedir a eventual revelacao do poder do atomo.

Mas o caminho da ciencia basica ate a bomba nao foi simples. Nao havia nenhuma pista clara de como a energia subatomica poderia ser canalizada para qualquer uso significativo, militar ou outro. Escrevendo no Science News Bulletin (o precursor original do Science News) em 1921, o fisico Robert Millikan observou que um grama de radio, no processo de desintegracao em chumbo, emite 300.000 vezes mais energia do que queimar um grama de carvao. Isso nao era assustador, disse Millikan, porque nao havia nem mesmo radio suficiente no mundo para fazer muita pipoca. Mas, ele advertiu, “e quase uma conclusao precipitada que reservas semelhantes de energia tambem sao possuidas pelos atomos que … nao sao radioativos.”

Em 1923, o editor Edwin Slosson da Science News-Letter (o precursor imediato do Science News) tambem observou que “todos os elementos tem reservas semelhantes de energia se apenas soubermos como libera-la.” Mas ate agora, ele reconheceu, “os cientistas nao foram capazes de desbloquear a energia atomica, exceto pelo emprego de maior energia de outra fonte.”

Aquela altura, os fisicos perceberam que a riqueza de energia do atomo estava armazenada em um nucleo – descoberto por Ernest Rutherford em 1911. Mas acessar a energia nuclear para uso pratico parecia inviavel – pelo menos para Rutherford, que em 1933 disse que qualquer um que planejasse explorar a energia nuclear estava “falando como uma luva”. Mas apenas um ano antes, a ferramenta para liberar energia nuclear foi descoberta por James Chadwick, na forma da particula subatomica conhecida como neutron.

Sem carga eletrica, o neutron era a bala ideal para atirar em um atomo, capaz de penetrar no nucleo e desestabiliza-lo. Esses experimentos na Italia por Enrico Fermi na decada de 1930 realmente induziram a fissao do uranio. Mas Fermi achava que havia criado novos elementos quimicos mais pesados. Ele nao tinha ideia de que o nucleo de uranio havia se dividido. Ele concluiu que havia produzido um novo elemento, o numero 93, mais pesado que o uranio (elemento 92).

Nem todos concordaram. Ida Noddack, uma quimica e fisica alema, argumentou que as evidencias eram inconclusivas, e Fermi pode ter produzido elementos mais leves, fragmentos do nucleo de uranio. Mas ela estava desafiando a sabedoria predominante. Como o quimico alemao Otto Hahn escreveu anos depois, a ideia de quebrar um nucleo de uranio em pedacos menores era “totalmente incompativel com as leis da fisica atomica. Dividir nucleos atomicos pesados em mais leves era entao considerado impossivel. ”

Apesar disso, Hahn e Lise Meitner, um fisico austriaco, continuaram bombardeando o uranio com neutrons, produzindo o que eles tambem acreditavam ser novos elementos. Logo Meitner teve que fugir da Alemanha para a Suecia, para evitar a perseguicao aos judeus pelos nazistas. Hahn continuou o trabalho com o quimico Fritz Strassmann; em dezembro de 1938, eles descobriram que um elemento que pensavam ser radio nao podia ser quimicamente distinguido do bario – aparentemente porque era bario. Hahn e Strassmann nao sabiam explicar como isso poderia ser.

Hahn escreveu sobre esse resultado para Meitner, que o discutiu com seu sobrinho Otto Frisch, um fisico que estudava no instituto de Niels Bohr em Copenhagen. Meitner e Frisch descobriram o que aconteceu – o neutron induziu o nucleo de uranio a se dividir. O bario foi um dos pedacos restantes. Frisch disse a Bohr, prestes a embarcar em um navio para a America, que percebeu instantaneamente que a fissao confirmava sua crenca de que um nucleo atomico se comportava de forma analoga a uma gota de liquido. Ao chegar aos Estados Unidos, Bohr comecou a colaborar com John Archibald Wheeler em Princeton para explicar o processo de fissao. Eles rapidamente descobriram que a fissao ocorria muito mais prontamente no uranio-235, a forma rara, do que no uranio-238 mais comum. E a analise deles revelou que um elemento ainda nao descoberto, o numero 94, tambem seria especialmente eficiente na fissao. Seu artigo foi publicado em 1o de setembro de 1939, o dia em que a Alemanha invadiu a Polonia para iniciar a Segunda Guerra Mundial.

Niels Bohr (a esquerda) e John Archibald Wheeler (a direita) colaboraram para explicar a fissao, a fonte da energia da bomba atomica.

A ESQUERDA: FOTOGRAFIA DE PAUL EHRENFEST JR., CORTESIA AIP EMILIO SEGRE ARQUIVOS VISUAIS, COLECAO WEISSKOPF; ARQUIVOS VISUAIS AIP EMILIO SEGRE


Entre a chegada de Bohr a America em janeiro de 1939 e a publicacao de seu artigo com Wheeler, as noticias sobre a realidade da fissao se espalharam, impressionando fisicos e quimicos em todo o mundo. No final de janeiro, por exemplo, a noticia da fissao chegou a Berkeley, onde o principal fisico foi J. Robert Oppenheimer, que acabou se tornando o cientista que liderou o Projeto Manhattan para construir a bomba.

Entre os participantes do seminario de Berkeley sobre a introducao da fissao estava Glenn Seaborg, um jovem instrutor de quimica (que em 1941 descobriu o elemento desconhecido 94 predito por Bohr e Wheeler, chamando-o de plutonio). Seaborg lembrou que a principio Oppenheimer nao acreditava que a fissao acontecesse. Mas, “depois de alguns minutos, ele decidiu que era possivel”, disse Seaborg em uma entrevista em 1997. “Isso pegou todo mundo de surpresa.”

Apos a surpresa inicial, os fisicos rapidamente estabeleceram que a fissao era a chave para destravar o deposito de energia do atomo. “Muitas pessoas verificaram que, de fato, quando o uranio e bombardeado por neutrons, neutrons lentos em particular, ocorre um processo que libera enormes quantidades de energia”, disse o fisico Hans Bethe em uma entrevista em 1997. Logo as implicacoes para a guerra ocuparam a atencao de todos.

“A ameaca de guerra estava cada vez mais proxima”, disse Wheeler em uma entrevista em 1985. “Era impossivel nao pensar sobre o que esse negocio (fissao) poderia significar em caso de guerra”. No inicio de 1939, fisicos reunidos para discutir a fissao concordaram que uma bomba de fissao era imaginavel. “Todos concordaram que era perfeitamente possivel fazer um explosivo nuclear”, lembra Bethe.

A preocupacao de que a Alemanha pudesse desenvolver uma bomba nuclear motivou a famosa carta de Albert Einstein ao presidente Franklin Roosevelt, enviada em agosto de 1939, que acabou levando ao Projeto Manhattan. Ficou claro que construir uma bomba de fissao exigiria a geracao de uma “reacao em cadeia” – o proprio processo de fissao precisaria liberar neutrons capazes de induzir mais fissao. Em dezembro de 1942, Fermi liderou a equipe da Universidade de Chicago que demonstrou uma reacao em cadeia sustentada, apos a qual o trabalho na bomba prosseguiu em Los Alamos, N.M., sob a direcao de Oppenheimer.

A principio, alguns fisicos pensaram que uma bomba nao poderia ser desenvolvida com rapidez suficiente para ser relevante para a guerra. Bethe, por exemplo, preferiu trabalhar no radar.

“Eu havia considerado todo o empreendimento uma confusao”, disse ele. “Achei que isso nao tivesse nada a ver com a guerra.” Mas em abril de 1943 Oppenheimer conseguiu recrutar Bethe para Los Alamos. Naquela epoca, a ciencia ja existia e o caminho para projetar e construir uma bomba era simples. “Tudo o que precisavamos fazer era descobrir que nao havia dificuldades imprevistas”, disse Bethe.

Por fim, o prototipo explodiu em Alamogordo em julho de 1945, cerca de tres semanas antes do uso da bomba contra o Japao.

O prototipo da bomba atomica explodiu no local de teste Trinity, em Alamogordo, N.M., em julho de 1945.

DEPARTAMENTO DE ENERGIA DOS ESTADOS UNIDOS


Era uma arma mais terrivel do que qualquer coisa que a humanidade ja encontrou ou imaginou. E a ciencia foi responsavel. Mas apenas porque a ciencia conseguiu compreender a natureza mais profundamente do que antes. Ninguem sabia a principio aonde esse entendimento levaria.

Nao havia absolutamente nenhuma maneira de prever que a descoberta da radioatividade, ou do nucleo atomico, ou mesmo do neutron, acabaria por permitir a construcao de uma arma de destruicao em massa. No entanto, uma vez que se soube que uma bomba era possivel, era inevitavel.

Apos a rendicao da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, os Aliados prenderam varios cientistas alemaes importantes, incluindo Werner Heisenberg, lider do projeto da bomba nazista, e espionaram suas conversas. Ficou claro que os alemaes nao conseguiram construir uma bomba porque achavam que nao era praticamente possivel. Mas depois de ouvir sobre o bombardeio de Hiroshima, Heisenberg foi rapidamente capaz de descobrir como a bomba havia, de fato, sido viavel. Quando os cientistas sabem com certeza que algo e possivel, e muito mais facil fazer isso.

No caso da bomba atomica, a pesquisa basica em busca dos segredos da natureza deu inicio a uma reacao em cadeia de novos conhecimentos, impossivel de controlar. Portanto, a nuvem em forma de cogumelo resultante simboliza um dos sucessos mais perturbadores da ciencia.


Publicado em 09/08/2020 12h04

Artigo original:


Achou importante? Compartilhe!


Assine nossa newsletter e fique informado sobre assuntos juridicos. Preencha seu e-mail no espaco abaixo e clique em “OK”:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *