81% veem racismo no Brasil, mas só 34% admitem preconceito contra negros

Manifestantes seguram faixa contra o racismo em protesto na Esplanada dos Ministérios, em Brasília

Alta de 5 pontos em 4 meses

Para 13%, racismo não existe

57% dizem não ter preconceito

Datafolha fez perguntas em 1995

Saiba o que mudou em 25 anos

Leia o levantamento PoderData

Pesquisa PoderData mostra que 81% dos brasileiros dizem haver preconceito contra negros no Brasil por causa da cor da pele. Para 13% da população, o racismo não existe no país. Outros 6% não souberam responder.

Essa é a 2ª vez que a divisão de estudos estatísticos do Poder360 pergunta aos entrevistados sobre preconceito por causa da cor da pele no país. Em pesquisa realizada de 22 a 24 de junho, o percentual dos brasileiros que tinha a percepção de que existe discriminação contra pessoas negras era de 76%. Houve uma alta de 5 pontos percentuais em 4 meses.

No entanto, a proporção dos que não enxergam essa prática no país permaneceu estável.

A pesquisa foi realizada pelo PoderData, divisão de estudos estatísticos do Poder360. A divulgação do levantamento é feita em parceria editorial com o Grupo Bandeirantes.

Os dados foram coletados de 9 a 11 de novembro, por meio de ligações para celulares e telefones fixos. Foram 2.500 entrevistas em 501 municípios, nas 27 unidades da Federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. Saiba mais sobre a metodologia lendo este texto.

Para chegar a 2.500 entrevistas que preencham proporcionalmente (conforme aparecem na sociedade) os grupos por sexo, idade, renda, escolaridade e localização geográfica, o PoderData faz dezenas de milhares de telefonemas. Muitas vezes, mais de 100 mil ligações até que sejam encontrados os entrevistados que representem de forma fiel o conjunto da população.

O 1º levantamento foi realizado 4 semanas depois da morte de George Floyd, 1 homem negro de 40 anos. Ele tinha sido acusado de ter tentado pagar uma compra com nota falsa de US$ 20 em 1 supermercado. Em uma ação da polícia de Mineápolis, em Minnesota (EUA), Floyd teve o pescoço prensado com o joelho por 1 policial branco, por 8 minutos e 46 segundos e morreu por asfixia.

A morte desencadeou uma série de atos pelos EUA, Brasil e Europa. Os protestos foram liderados pelo movimento “Black lives matter” (“Vidas negras importam”, em português). Os protestos reacenderam o debate sobre a desigualdade racial e a necessidade de revisionismo histórico.

O caso de George Floyd deu força ainda à atuação de movimentos contra símbolos e estátuas que homenageavam quem teve ligações com o escravagismo. Em várias cidades da Europa, manifestantes se reuniram e derrubaram estátuas de personalidades históricas que têm em suas biografias passagens racistas e escravagistas, o que fez com que as autoridades locais as retirassem. No Brasil, houve poucos atos como esses, mas, se feitos, configurariam crimes contra o patrimônio histórico.

Depois de 4 meses, os protestos diminuíram, mas no Brasil, onde a população é majoritariamente negra, o tema se mantém vivo em debates, principalmente nas redes sociais. Atualmente, de acordo com dados de maio de 2020 compilados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 9,4% da população se autodeclara preta e 46,8% se diz parda. Os brancos somam 42,7% da população.

Além da percepção sobre a existência do racismo no Brasil, o PoderData fez a seguinte pergunta aos entrevistados: “Você diria que tem preconceito contra pessoas negras. O resultado do levantamento mostra que 34% dos brasileiros afirmam que sim, consideram ter preconceito contra negros” – alta de 6 pontos percentuais em 4 meses, quando 28% tinham essa opinião. Já os que dizem que não somam 57%. A proporção variou negativamente no período.

As perguntas feitas pelo PoderData repetiram exatamente o que o Datafolha indagou aos brasileiros em 1995 sobre preconceito por causa da cor da pele.

Quando são analisados os dados dos 2 levantamentos, observa-se que hoje, 25 anos depois, o percentual dos que dizem haver racismo contra negros caiu de 89% para 81%. Só que a soma dos brasileiros que admitem eles próprios serem preconceituosos subiu de 10% para 34%.

Os dados mostram que continua válida a frase cunhada pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) nos anos 1960: “O brasileiro não evita, mas tem vergonha de ter preconceito”. No entanto, a admissão do racismo por parte de 34% da população indica o aumento do reconhecimento do problema social presente no país.


O dia da abolição da escravatura, 13 de maio, não é considerado por movimentos negros uma data para se celebrar. O Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão. Antes disso, a história dos negros no país foi marcada por revoltas, como a Rebelião do Engenho de Santana (1789,1821 e 1828), a Revolta dos Malês (1835) e a Balaiada (1838-1841), sem sucesso ante a escravidão.

E, depois da assinatura da Lei Áurea, sancionada pela Princesa Isabel (1846-1921), filha de Dom Pedro II, em 13 de maio de 1888, políticas assistenciais, de integração e afirmativas não foram criadas em prol da população negra no país, marginalizada e presa à cultura escravocrata nos anos seguintes. “A influência da escravidão não se desenraiza num dia”, defendeu o político monarquista e abolicionista Joaquim Nabuco no livro “O abolicionista (1883)”.

Pesquisadores como Juarez Xavier, professor de jornalismo e coordenador-executivo do Núcleo Negro para a Pesquisa e Extensão da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo), lembram que uma mudança significativa no contexto da luta contra a desigualdade e a questão racial só ocorreu após a redemocratização do país.

A dificuldade do desenvolvimento dessas políticas ocorre ainda hoje devido ao negacionismo em relação ao racismo no país, como mostra a pesquisa: 13% acreditam que não existe preconceito no Brasil.

Para o trineto do imperador Dom Pedro II, o príncipe imperial do Brasil, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, não existe diferença racial no país. “Estão procurando criar esse problema racial, mas não conseguem. Aqui, todos nos damos bem. Aqui no Brasil, todos nós vivemos bem”, disse em live promovida pela Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, em 16 de junho.

A filósofa e escritora Djamila Ribeiro refuta esse entendimento. Para ela, a violência que a população negra sofreu no passado e continua sofrendo hoje no Brasil são romantizadas por meio da adoração à cultura negra. Segundo ela, isso causa uma falsa ideia de que não existe racismo no país.


Publicado em 21/11/2020 10h31

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