Os passos da China em um ambiente globalizado

Xi Jinping se dirige ao Parlamento Britânico, imagem via Wikipedia

Durante seu mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump empregou uma política econômica e externa que desafiou a globalização na tentativa de conter a ascensão da China – mas isso não impediu Pequim de dar seus próprios passos em direção ao multilateralismo, ao livre comércio e à liberalização econômica. A Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP) e o Acordo Abrangente Sino-Europeu sobre Investimento (CAI) são indicativos disso. O presidente Biden governará em um mundo em que as estruturas da Guerra Fria não se aplicam. Ao procurar parcerias com aliados para restringir a influência da China, ele encontrará o profundo engajamento de Pequim em um ambiente internacional globalizado.

O crescente antagonismo sino-americano e a ênfase de Washington em restringir a influência de Pequim lembram alguns estudiosos do período da Guerra Fria. O historiador Niall Ferguson, por exemplo, escreveu que uma nova Guerra Fria começou. Essas comparações são tentadoras, mas a China – ao contrário da União Soviética da era da Guerra Fria – está bem posicionada no ambiente internacional globalizado e se desenvolvendo rapidamente. Enquanto alguns analistas ocidentais do século 21 se entregaram ao pensamento positivo de que a China iria emular o modelo americano, Pequim seguiu seu próprio caminho.

Donald Trump reformulou a abordagem política e econômica americana em relação à China. Ele colocou limites na evolução harmoniosa do relacionamento bilateral e inaugurou uma nova era em que obstáculos foram colocados no caminho do avanço econômico da China. Em julho de 2020, o então Secretário de Estado Mike Pompeo fez um discurso intitulado “A China Comunista e o Futuro do Mundo Livre”. Como o título sugere, o modelo de governança da China foi visto por Pompeo como antitético aos ideais dos EUA e do Ocidente.

Trump não achou nada fácil persuadir outros países a apoiar essa causa por duas razões principais. Em primeiro lugar, sua própria administração introduziu um novo tipo de política externa e econômica baseada na cooperação bilateral em vez de multilateral e que desafiava as normas anteriores. A retirada dos EUA da Parceria Trans-Pacífico (TPP) em 2017 foi um exemplo característico que alienou os aliados dos EUA na Ásia-Pacífico que esperavam em vão pela liderança americana. E, em segundo lugar, alguns parceiros dos EUA na Ásia e na Europa não viam a China nos termos da Guerra Fria, mas como um parceiro valioso. Eles se esforçaram para satisfazer algumas demandas americanas, mas apenas na medida em que isso pudesse ser feito de uma maneira que não frustrasse Pequim.

Nesse ínterim, a China tem se concentrado em administrar as “dificuldades sem precedentes” nas relações sino-americanas que surgiram nos últimos quatro anos, sem abandonar as iniciativas multilaterais que promovem a globalização e a liberalização. Nos últimos meses de 2020, esses esforços deram frutos.

Em meados de novembro, a China estava entre os signatários da Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP). O RCEP dará aos dez membros da ASEAN e cinco países adicionais (Austrália, China, Japão, Nova Zelândia e Coréia do Sul) a oportunidade de desfrutar do livre comércio e oferecer benefícios aos seus exportadores, fornecedores de serviços e investidores por meio de um único conjunto de regras. O papel de Pequim na formação de uma nova cadeia de suprimentos asiática na era pós-COVID-19 será crítico, pois constitui o maior ou o segundo maior mercado para todos os países da região e um importante fornecedor de importação. Um estudo do Peterson Institute for International Economics prevê benefícios para a China, Japão e Coreia do Sul e prejuízos para os EUA e Índia.

Além disso, em 30 de dezembro, a China e a UE concluíram (em princípio) negociações para um Acordo Global de Investimento (CAI). A CAI cria uma nova estrutura inclusiva para o investimento chinês na Europa e o investimento europeu na China. Ao contrário do RCEP, não cobre o livre comércio.

Da perspectiva chinesa, o CAI aumentará ainda mais os laços econômicos sino-europeus e talvez facilite seus esforços para liberar a inovação no mercado interno. Do ponto de vista europeu, o acordo vai fornecer mais acesso para as empresas da UE ao mercado chinês e reequilibrar a parceria bilateral.

Bruxelas acredita que sua pressão por reciprocidade foi justificada pelo CAI, mas o Washington de Trump não via dessa forma. O ex-vice-conselheiro de Segurança Nacional Matt Pottinger criticou o CAI e levantou questões de direitos humanos. Por sua vez, o nomeado de Joe Biden para Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, tuitou antes da conclusão das negociações do CAI que o novo governo acolheria consultas antecipadas com seus parceiros europeus sobre preocupações comuns sobre as práticas econômicas da China.

A competição sino-americana não está acontecendo apenas no campo dos Estados Unidos. A China é poderosa e paciente e se esforça sistematicamente para preservar, se não forjar, uma nova ordem mundial que garantirá seu desenvolvimento seguro. As negociações para RCEP e CAI começaram em 2012 e 2013, respectivamente. Os objetivos futuros do presidente Xi Jinping incluem a assinatura de uma área de livre comércio entre a China, o Japão e a Coreia do Sul e a realização de uma área de livre comércio na Ásia-Pacífico (FTAAP). Pequim também considerará favoravelmente a adesão ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP). CPTPP – a nova versão do TPP, que foi assinada por 11 países, mas que exclui os EUA – foi assinada em 2018. Joe Biden disse que não apóia o retorno ao TPP, mas pode tentar renegociá-lo para incluir disposições ambientais e trabalhistas mais rígidas.

Buscando a liderança americana, Biden encontrará uma Ásia diferente e um mundo diferente. Enquanto tenta estabelecer sua própria política externa e econômica, ele terá que lidar com o profundo engajamento da China em um ambiente internacional globalizado.


Publicado em 04/02/2021 07h16

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