Ciência e política na era COVID

Imagem de vacina por Daniel Schludi via Unsplash

A pandemia COVID-19 revelou os limites da cooperação internacional, apesar do vasto potencial dos meios tecnológicos disponíveis. O debate sobre a relação entre ciência e política não é novo, mas agora é colocado no contexto de desafios internacionais sem precedentes e crescente incerteza sobre os rumos do mundo. As democracias ocidentais têm que definir o tom e persuadir o público das vantagens da cooperação internacional na frente científica.

A criação e aprovação das vacinas COVID-19 geraram otimismo de que o mundo poderia voltar ao normal no segundo semestre de 2021. Mas, dito isso, a cooperação internacional durante a pandemia não foi muito impressionante. Embora as nações compartilhassem um propósito comum, elas não usaram os meios tecnológicos sem precedentes à sua disposição no espírito de cooperação, uma falha que pode ter atrasado o resultado desejado em conjunto.

Quando Alexander Fleming descobriu a penicilina em 1929, ele não podia contar com a experiência combinada de pesquisadores chineses, russos e americanos. A situação hoje é – ou deveria ser – bem diferente. Em outubro de 2020, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, disse que a pandemia era um alerta para uma melhor relação entre a ciência e a formulação de políticas, uma colaboração tecnológica internacional mais eficaz e a construção da confiança pública na ciência.

Dilemas críticos no debate sobre a interseção da tecnologia e da política permanecem sem solução há algum tempo. Em uma entrevista recente ao Die Welt, Henry Kissinger discutiu a urgência de que as sociedades ?encontrem uma maneira de combinar sua tecnologia extraordinária com uma reflexão sobre suas direções?. Kissinger destacou, entre outras coisas, o risco de uma guerra em grande escala que poderia explodir devido às tensões em curso entre a China e os EUA. Isso pode ter consequências devastadoras, já que ambas as potências desenvolveram tecnologias militares de ponta.

Embora o cenário de um conflito militar não seja provável neste momento, a competição sino-americana está sendo disputada no próprio campo da tecnologia. A inovação tecnológica é uma garantia de poder econômico, e o líder tecnológico mundial tem potencial para alcançar a supremacia global. Esta é a principal razão pela qual o presidente Donald Trump se esforçou para conter a ascensão da China, implementando políticas que colocam obstáculos no caminho de empresas chinesas como a Huawei. Pequim respondeu ao chamado desacoplamento iniciando seu conceito de ?dupla circulação?, cujo principal objetivo é liberar a demanda por inovação no mercado interno e definir cadeias de abastecimento – mesmo em setores onde ela é deficiente, como a indústria de semicondutores.

Agora é lugar-comum no discurso internacional evocar uma estrutura da Guerra Fria com ênfase na tecnologia. É impossível prever se a competição em curso evoluirá para um fenômeno permanente ou atuará como um catalisador empurrando os líderes chineses e americanos para a negociação de acordos que equilibrem o relacionamento.

Obviamente, as duas superpotências não estarão sozinhas nisso. Terceiros podem desempenhar um papel. A UE, por exemplo, parece empenhada em lutar pela autonomia tecnológica, apesar das perspectivas relativamente boas para a parceria transatlântica sob o comando de Joe Biden. Nesse ínterim, outros países podem abster-se de tomar partido na rivalidade tecnológica sino-americana ou fazer acrobacias cuidadosas entre a geopolítica e a economia.

As tecnologias modernas apresentam desafios que eram inconcebíveis apenas alguns anos atrás. O desenvolvimento tecnológico da China e o impasse sino-americano são apenas partes da equação. A discussão no Ocidente, principalmente nos EUA, concentra-se na capacidade de seus ?rivais sistêmicos? de se intrometer em processos eleitorais, divulgar notícias falsas e conduzir ataques cibernéticos. Mas essa discussão precisa ir mais longe na era COVID-19.

A realidade inconveniente é que a China, onde o vírus foi detectado e relatado pela primeira vez, administrou o problema melhor do que os países ocidentais, apesar dos graves erros e atrasos no início. Ao fazer isso, o país alavancou ativamente tecnologias digitais como inteligência artificial (IA), big data, computação em nuvem, blockchain e 5G. Suas aplicações dessas tecnologias, por exemplo, suas técnicas de vigilância, são constantemente criticadas no Ocidente por razões de direitos humanos.

A questão é como os valores ocidentais podem ser salvaguardados em um ambiente internacional tão complexo. A resposta não pode vir apenas por meio de competição acirrada, cenários de dissociação e críticas ferozes. A cooperação internacional continua sendo a forma pela qual as democracias podem provar suas vantagens sobre outros modelos de governança. A insistência em mais transparência, participação cívica e abertura, junto com a formação de um entendimento tangível de que as tecnologias modernas podem servir aos interesses das sociedades quando usadas com sabedoria por líderes democraticamente eleitos, aumentará a posição do Ocidente na governança mundial.


Publicado em 15/01/2021 14h55

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